quinta-feira, 3 de maio de 2012

Lagartos brasileiros: peçonhentos não, mas nem tão inofensivos

NÃO existe nenhuma espécie de lagarto naturalmente estabelecida em território nacional que produza toxinas em seu corpo (ou seja, venenosa), ou muito menos que seja capaz de inocular veneno em presas ou predadores (isto é, peçonhenta). Apesar disto, sou frequentemente indagado acerca dos perigos potenciais dos lagartos aos seres humanos. Como resposta, informo que, em geral, os lagartos brasileiros não provocam riscos relevantes, mas que são dotados de ferramentas naturais e estratégias defensivas para se proteger de ameaças.


Figura 1. Indivíduo adulto de Tupinambis merianae do plantel NUROF-UFC.

Entre as táticas defensivas de lagartos, a mais primária é evitar ser detectado por seu predador, através da combinação de comportamentos crípticos, como camuflagem, coloração disruptiva e imobilidade. Após ser encontrado por um predador, o comportamento mais amplamente executado por lagartos é a fuga, na tentativa de escapar da ameaça. Entretanto, algumas vezes o lagarto está encurralado e, nestes casos, alguns comportamentos de intimidação podem ser exibidos no sentido de dissuadir seu potencial predador, como abrir a boca, inflar o corpo e agitar a cauda (Martins, 1996). Mesmo após todas estas tentativas de defesa, o predador pode persistir em sua investida e então, os lagartos podem se utilizar de ferramentas para atacar e agredir seu oponente. Na perspectiva dos lagartos, existem três principais tipos de dispositivos de ataque (neste caso para se defender): a cauda, as garras e a boca.
Neste âmbito, apresento os possíveis, embora pequenos, riscos da aproximação e manipulação de lagartos por leigos. Em especial, me detenho a duas espécies de grande porte que ocorrem no Brasil, a Iguana-verde (Iguana iguana) e o Tejo (Tupinambis merianae), ambas podendo atingir mais de um metro e meio de comprimento.
Figura 2. Datealhe da cabeça de Tupinambis merianae.

Obs: Vale frisar que as duas espécies citadas algumas vezes são criadas domesticamente como pets e podem tornar-se bastante dóceis, fornecendo pouco ou nenhum risco aos seus proprietários.
A longa e robusta cauda das Iguanas e dos Tejos, mecanicamente utilizada para locomoção e equilíbrio, constitui um tipo de arma de longo alcance que evita a aproximação exagerada do potencial predador. Ao ser agitada bruscamente, a cauda pode ser usada como um “chicote” para golpear o adversário, causando bastante dor no local atingido.
As fortes garras afiadas, usadas pelas Iguanas para se fixar e se locomover nas árvores e pelos Tejos para forragear e escavar tocas, quando os lagartos são manipulados, podem atingir a pele, causando danos físicos e provocando hemorragias locais.
A boca, ornamentada com fortes dentes, é pouco utilizada com fins defensivos por Iguanas, mas é uma das mais importantes armas dos Tejos. No caso dos Tejos, sua dentição é caracterizada pela heterodontia (presença de vários tipos de dentes), podendo desempenhar funções de corte, perfuração e esmagamento (Brizuela & Albino, 2010).
Recentemente, foi publicado um caso de mordida de Tejo em humanos. A vítima levou uma mordida no dedo indicador da mão direita ao tentar separar a briga entre seu cão e um Tejo com cerca de 1,5 m de comprimento. A lesão provocou perda de tecido, fratura óssea na falange distal, intensa hemorragia, inflamação local e dor intensa por mais de 10 horas. A intensidade da injúria foi tamanha que necessitou de intervenção cirúrgica, com a aplicação de enxerto cutâneo para reabilitação funcional e benefícios estéticos ao paciente (Haddad et al, 2008).

Figura 3. Crânio de Tupinambis merianae.

Portanto, embora a maioria dos lagartos cause pouco ou nenhum risco à saúde dos seres humanos, algumas espécies de grande porte merecem maior atenção. A lida com animais selvagens exige conhecimento biológico, prudência e responsabilidade, assim espero que esta postagem sirva como um alerta aos leitores que por ventura desejem se aproximar demais ou até manipular grandes lagartos como as Iguanas e os Tejos. Estejam cientes: Lagartos brasileiros: peçonhentos não, mas nem tão inofensivos!

Por: Daniel Passos, membro do NUROF-UFC 

Fonte: http://blogdonurof.wordpress.com

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRIZUELA, S. & ALBINO, A. M.. 2010. Variaciones dentarias en Tupinambis merianae (Squamata:Teiidae). Cuadernos de Herpetología, 24(1): 5-16.
HADDAD JR., V.; DUARTE, M. R.; GARRONE NETO, D. 2008. Tegu (Teiu) Bite: Report of Human Injury Caused by a Teiidae Lizard. Wilderness and Environmental Medicine, 19: 111-113.
 MARTINS, M. 1996. Defensive tactics in lizards and snakes: the potential contribution of the neotropical fauna. Anais do XIV Encontro Anual de Etologia, 14:185-199.

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