segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Como funcionam as cobras

por Lacy Perry - traduzido por HowStuffWorks Brasil

Introdução

Desde seu papel como a criatura que tentou Eva na Bíblia até suas aparições regulares nos livros e filmes de Harry Potter, as cobras têm serpenteado pelo mundo da mitologia e cultura popular em lendas originadas do medo e da fascinação.

Em mais de 130 milhões de anos sobre a face da Terra, as cobras se desenvolveram como vertebrados altamente versáteis, esnobando sua habilidade de escalar verticalmente, arremessar-se na água e em algumas espécies até voar - e tudo sem a presença de membros. Junte toda essa mobilidade, sua onipresença por todo o globo e uma picada às vezes fatal e você entenderá por que elas são mitos tão fenomenais.

Cobra Cottonmouth

Neste artigo vamos verter um pouco do seu mistério. Você aprenderá como as cobras se defendem, como matam e comem suas presas, como atraem seus parceiros e se reproduzem, e ainda vai ficar cobra em conhecer algumas espécies fascinantes. 

Noções básicas sobre as cobras

Existem 2.700 espécies conhecidas de cobras e todos esses répteis compartilham das mesmas características:
têm corpos finos, lineares e sem membros;
são carnívoros;
têm sangue frio (são ectotérmicos), o que significa que sua temperatura interna varia com a temperatura do ambiente.

Foto cedida por Ray Rauch, U.S. Fish e Wildlife Service
Cobra Copperhead
Há uma boa razão para as cobras parecem lagartos sem pernas: ambos constituem a ordem Squamata, que é dividida nas subordens Sauria para os lagartos e Ophidia para as cobras. Como as cobras são alongadas, seus órgãos são dispostos linearmente, mas no restante elas são iguais aos demais vertebrados. Há uma caixa óssea guardando o cérebro e os órgãos sensoriais ficam na cabeça, possuindo quase todos os sentidos que nós humanos, mas com algumas modificações:

Audição - embora as cobras não tenham orelhas, as ondas de som provenientes do ar atingem sua pele e são transferidas dos músculos para o osso. Quando o som atinge o osso do ouvido sob o crânio, envia vibrações para o ouvido interno, sendo o som processado pelo cérebro;

Visão - as cobras não vêem cores, mas seus olhos têm uma combinação de receptores luminosos: bastonetes que provêm uma visão fraca porém indistinta de luz e cones que produzem imagens claras. A complexidade dos olhos varia entre as espécies devido aos seus diferentes estilos de vida. As cobras que vivem primordialmente em locais subterrâneos, por exemplo, têm olhos menores que processam somente claro e escuro, mas cobras que vivem acima do solo e usam a visão para caçar têm visão cristalina e uma boa percepção de profundidade. Algumas espécies, especificamente as jibóias e as pítons, têm um segundo instrumento visual: órgãos receptores dentro de sulcos nas suas cabeças percebem as fontes de calor nos arredores como se fossem óculos infravermelhos, uma habilidade bastante útil para a caça noturna de animais de sangue quente;

Foto cedida pelo Zoológico de Saint Louis
Corallus annulatus
Olfato - como os humanos, as cobras inspiram os odores que há no ar para dentro das aberturas nasais e os levam para uma câmara olfatória onde é feito o processamento; ainda assim, as cobras têm um sistema secundário. Quando uma cobra vibra sua língua, ela está juntando partículas de odor, que são transferidas para duas bolsas cheias de fluido no céu da boca, os órgãos de Jacobson, e depois para uma segunda câmara olfatória menor. A língua é usada apenas para ajudar nesse processo; as cobras não têm o sentido do paladar.



O trato digestório percorre quase toda a extensão do corpo e inclui a boca, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso e ânus, todos podendo se distender para digerir presas maiores do que o diâmetro da própria cobra (veja a seção sobre alimentação). Quando sua boca está cheia, ela precisa estender sua traquéia (tubo respiratório) além da comida e para fora de modo a continuar respirando. As cobras não têm um diafragma como as pessoas, portanto fazem o ar entrar e sair dos pulmões estreitando a caixa torácica, para empurrar o ar para fora, e depois alargando-a, para criar um vácuo que suga o ar para dentro. Após cada ciclo respiratório elas experimentam uma apnéia, parada respiratória que dura de poucos segundos até alguns minutos. Para processar o oxigênio, todas as cobras têm um pulmão direito alongado; muitas têm também um pulmão esquerdo menor e algumas têm até um terceiro pulmão ao longo da traquéia.

Cobras de duas cabeças

As cobras de duas cabeças se parecem menos com os assustadores monstros cheios de cabeças da mitologia e mais com gêmeos siameses. Dentro da cobra mãe, um embrião começa a dividir-se para criar gêmeos idênticos, mas o processo não é finalizado, deixando parte da cobra dividida e as outras partes ligadas.

Diferentemente das criaturas mitológicas, cujas múltiplas cabeças as tornam significativamente mais perigosas, as cobras de duas cabeças raramente sobrevivem em um ambiente selvagem. Com duas cabeças, os sentidos ficam duplicados: quando elas percebem a presa, as cabeças disputam para ver quem vai comê-la. Para piorar as coisas, se uma cabeça sentir cheiro de comida na outra, tentará comer a outra cabeça.                                                                
Foto cedida pelo Zoológico de Saint Louis

No início da década de 80, uma cobra-touro com duas cabeças foi doada para o Zoológico de Saint Louis. Ela cresceu até ficar com 90 cm de comprimento e viveu 2 anos e meio, um tempo extraordinariamente longo para animais com duas cabeças. A cobra tinha uma cabeça direita dominante e os funcionários tinham que colocar uma divisória entre as duas cabeças ao alimentar a cobra para que ela não lutasse contra si mesma.

Estrutura e crescimento

O comprimento das cobras varia de 10 cm a mais de 10 metros. Centenas de minúsculas vértebras e costelas cobrem essa distância e se conectam umas às outras através de um sistema complexo de músculos, criando uma flexibilidade incomparável. Uma pele extremamente elástica se prende aos músculos e é coberta por escamas feitas de queratina, a mesma substância das nossas unhas. As escamas são produzidas pela epiderme, a camada externa da pele. À medida que a cobra cresce, o número e padrão das suas escamas permanece o mesmo, embora a cobra troque suas escamas muitas vezes no curso da vida.
Ao contrário das pessoas, que descamam constantemente a pele gasta soltando minúsculos pedaços, as cobras trocam todas as suas escamas e a pele externa de uma vez só durante um processo chamado de troca de pele. Quando a pele e as escamas começam a ficar gastas pelo tempo e atrito, a epiderme começa a criar novas células para separar a pele velha da camada interna que está se desenvolvendo. As novas células se liqüefazem, fazendo a camada externa amolecer. Quando a camada externa está pronta para cair, a cobra raspa as margens da sua boca contra uma superfície dura, como uma pedra, até que a camada externa comece a se enrolar ao redor da cabeça. Ela continua se raspando e rastejando até ficar completamente livre da pele morta. O processo de troca de pele, que leva cerca de 14 dias, é repetido de tempos em tempos - alguns dias ou até alguns meses.
Como as pessoas, as cobras crescem rapidamente até atingirem a maturidade, o que pode levar de 1 a 9 anos; contudo, seu crescimento, embora seja muito mais lento depois da maturidade, nunca pára. Esse é um fenômeno conhecido como crescimento interminável. Dependendo da espécie, as cobras podem viver desde 4 até mais de 25 anos.

Foto cedida por U.S. National Oceanic and Atmospheric Administration
Crotalus cerastes

Locomoção

A explicação sobre a agilidade das cobras – centenas de vértebras e costelas – está intimamente ligada a sua locomoção: escamas ventrais. Essas escamas retangulares especializadas cobrem a parte de baixo da cobra, correspondendo diretamente ao número de costelas. As margens de baixo das escamas ventrais funcionam como a superfície de um pneu, aderindo ao solo e fazendo a propulsão da cobra para frente.

As cobras têm quatro métodos de movimento:


  • serpentino - esse movimento em forma de S, também conhecido como locomoção ondulatória, é usado pela maioria das cobras terrestres e aquáticas. Começando no pescoço, a cobra contrai seus músculos, impulsionando seu corpo de um lado para o outro, criando uma série de curvas. Na água esse movimento facilmente faz a propulsão da cobra para frente porque em cada contração ela empurra para trás parte do corpo d'água. Na terra, a cobra geralmente encontra pontos de resistência na superfície, como pedras, ramos ou saliências, usando suas escamas para empurrar todos os pontos de uma só vez, impulsionando-se para a frente;

Uma espécie de cascavel usando as pedras como pontos de resistência
  • ondulação lateral - em ambientes com poucos pontos de resistência, as cobras podem usar uma variação do movimento de serpentina para se locomover. Contraindo seus músculos e arremessando o corpo, elas criam uma forma de S que tem apenas dois pontos de contato com o solo; quando se impulsionam, movem-se lateralmente. Uma boa parte do corpo fica fora do solo enquanto ela se move;
  • retilíneo - um método muito mais lento para movimentar-se é o estilo lagarta ou locomoção retilínea. Essa técnica também contrai o corpo em curvas mas essas ondas são bem menores e se curvam para cima e para baixo, ao invés de para os lados. Quando uma cobra usa o movimento de lagarta, os topos de cada curva levantam acima do solo enquanto as escamas ventrais da base empurram o chão, criando um efeito encrespado similar a uma lagarta se movendo;
  • sanfonado - os métodos anteriores funcionam bem para superfícies horizontais, mas as cobras escalam usando a técnica sanfonada. A cobra estende a cabeça e a frente do corpo ao longo da superfície vertical e então encontra um lugar para agarrar com suas escamas ventrais. Para conseguir se firmar bem, ela amontoa o meio do seu corpo em curvas apertadas que agarram a superfície ao mesmo tempo que traciona a parte de trás para cima; ela então salta para frente para encontrar um novo local para agarrar com suas escamas.

Alimentação

Embora as várias espécies de cobras tenham métodos diferentes de encontrar e pegar a presa, todas comem basicamente do mesmo modo. Suas mandíbulas incrivelmente expansíveis possibilitam-lhes capturar animais de tamanho muito maior e engoli-los inteiros. Enquanto a mandíbula superior do homem é fundida ao crânio e portanto imóvel, a mandíbula superior da cobra está ligada à caixa craniana através de músculos, ligamentos e tendões, o que permite mobilidade de frente para trás e de um lado para o outro. A mandíbula superior se liga à mandíbula inferior pelo osso quadrado, que funciona como uma dobradiça dupla de modo que a mandíbula inferior pode se deslocar, permitindo que a boca abra em até 150 graus. Além disso, os ossos que formam os lados das mandíbulas não estão fundidos na frente, como no queixo humano; em vez disso estão ligados pelo tecido muscular, permitindo que os lados se separem e movam independentemente uns dos outros. Toda essa flexibilidade é útil quando a cobra encontra uma presa maior do que a própria cabeça: a cabeça pode esticar para acomodar a presa.



Quando a cobra está pronta para comer, ela abre a boca e começa a "andar" com sua mandíbula inferior em direção à presa, ao mesmo tempo que o dentes curvados para trás seguram o animal (um lado da mandíbula puxa para dentro enquanto o outro se move para a frente para dar a próxima mordida). A cobra molha completamente a presa com saliva e por fim a traciona para dentro do esôfago. A partir daí, usa seus músculos para simultaneamente esmagar a comida e empurrá-la mais para dentro do trato digestório, onde é digerida e os nutrientes resultantes absorvidos.

Mesmo com todas essas vantagens, comer um animal vivo pode ser um desafio. Por causa disso, algumas cobras têm desenvolvido a habilidade de injetar veneno na presa para matar ou subjugar o animal antes de comê-lo. Algum veneno inclusive ajuda a iniciar o processo de digestão. Cobras com esse eficiente instrumento precisam de um modo igualmente eficiente de colocar o veneno dentro do sistema do animal: presas.

À frente ou no fundo de sua mandíbula superior, as cobras venenosas têm dois dentes afiados que são perfurados para permitir que o veneno passe por eles. Assim que uma cobra ataca, inserindo os dentes na presa, o veneno é comprimido das glândulas abaixo de cada olho para dentro do duto de veneno (pensa-se que durante seu trajeto, mais glândulas liberam compostos que o tornam mais eficiente) e sai pelo canal que está dentro das presas.


Nas cobras não venenosas, constritoras, os dentes são fixos; em cobras com presas longas (com sulcos), os dentes se dobram para trás dentro da boca quando não estão em uso; caso contrário, a cobra poderia perfurar a base da própria boca.

Embora as espécies de cobras venenosas, que são apenas um quinto de todas as cobras, tenham cada uma seu próprio veneno especial, mostramos a seguir os três tipos mais importantes de toxinas encontradas no veneno das cobras:

  • neurotoxinas - afetam o sistema nervoso, deprimindo os centros nervosos e geralmente fazendo parar a respiração;
  • cardiotoxinas - deterioram os músculos do coração fazendo com que pare de bater;
  • hemotoxinas - fazem os vasos sangüíneos se romperem, resultando em hemorragia interna generalizada.
Alguns venenos podem incluir também aglutininas, que fazem o sangue coagular, ou anticoagulantes, que deixam o sangue ralo. A maior parte dos venenos de cobra usa vários desses compostos para ter um efeito combinado mortal.
Algumas cobras tiram a vida de sua presa de outra maneira: constrição. Assim que a cobra tem o animal firmemente preso nas suas mandíbulas, ela enrola seu corpo em espirais em torno da presa. Quando o animal expira, deixando sair o ar da cavidade do seu corpo, a cobra contrai seu poderoso sistema de músculos para apertar as espirais, espremendo o corpo de modo que o animal não consegue inspirar novamente. De acordo com um estudo feito em 2002 pela Carnegie Mellon University, dependendo do tamanho, uma cobra constritora pode aplicar 400 a 800 gramas de pressão por centímetro quadrado. Embora essa pressão sufoque a presa por comprimir os pulmões, pode também ter o mesmo efeito no coração, acelerando significativamente a morte.

Sexo das cobras

Alguém pode pensar que não ter membros atrapalha a vida amorosa, mas não é o caso das cobras. Quando uma cobra fêmea está pronta para copular, ela começa a liberar um perfume especial (feromônio) das glândulas da pele que têm nas costas. Quando sai para sua rotina diária, ela deixa um rastro de odor à medida em que se impulsiona sobre os pontos de resistência do solo (veja em Locomoção). Se um macho sexualmente maduro capta seu perfume, ele segue seu rastro até encontrá-la. A cobra macho começa a cortejar a fêmea, batendo com seu queixo na parte de trás da cabeça da fêmea, e rastejando sobre ela. Quando ela está desejosa, levanta a cauda. Nesse ponto, ele enrola sua cauda em torno da cauda dela para que a base de suas caudas se encontrem na cloaca (o ponto de saída para excreções e fluido reprodutivo). O macho insere seus dois órgãos sexuais, os hemipênis, que então se estendem e liberam esperma. O sexo das cobras geralmente dura uma hora, mas pode durar até um dia inteiro.
As cobras fêmeas se reproduzem uma ou duas vezes por ano; contudo, os métodos de parto variam entre as espécies. Algumas cobras dão a luz a filhotes formados (desde 1 até 150 por vez), enquanto que outras colocam ovos (de 1 até 100 por vez); algumas inclusive combinam esses métodos, guardando os ovos internamente até que se rompam, dando à luz filhotes já formados. No geral, as cobras não sentam sobre seus ovos como as galinhas, mas em alguns casos protegem os ovos e filhotes por alguns dias depois que nascem.

Foto cedida por Morguefile
Elaphe guttata se refrescando na água

Fonte: HowStuffWorks Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário