Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
Uma carta publicada por biólogos brasileiros na última edição da revista Nature traz à tona uma velha polêmica da herpetologia (ciência que estuda répteis e anfíbios), relacionada ao uso de uma técnica chamada “ablação de artelhos”, em que pontas dos dedos dos animais são cortadas para identificação morfológica no campo.
A declaração da carta, em defesa da técnica, é uma resposta a questionamentos levantados recentemente pelo Ibama e pelo Ministério Público Federal no sentido de proibi-la. O texto é assinado por Décio Corrêa, aluno de mestrado em Ecologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em nome dele e de outros quatro biólogos – entre eles, o presidente da Sociedade Brasileira de Herpetologia (SBH), Marcio Martins, da Universidade de São Paulo.
Martins contou ao Estado que recebeu em outubro uma carta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), repassando “um pleito do Ibama para a retirada do método de marcação de ablação de artelhos de anfíbios e répteis”, com base numa interpretação de que esta seria “uma prática de mutilação e que haveria outros meios alternativos (de marcação), o que tornaria tal ação passível de ser caracterizada como crime e infração administrativa”.
Uma carta publicada por biólogos brasileiros na última edição da revista Nature traz à tona uma velha polêmica da herpetologia (ciência que estuda répteis e anfíbios), relacionada ao uso de uma técnica chamada “ablação de artelhos”, em que pontas dos dedos dos animais são cortadas para identificação morfológica no campo.
A declaração da carta, em defesa da técnica, é uma resposta a questionamentos levantados recentemente pelo Ibama e pelo Ministério Público Federal no sentido de proibi-la. O texto é assinado por Décio Corrêa, aluno de mestrado em Ecologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em nome dele e de outros quatro biólogos – entre eles, o presidente da Sociedade Brasileira de Herpetologia (SBH), Marcio Martins, da Universidade de São Paulo.
Martins contou ao Estado que recebeu em outubro uma carta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), repassando “um pleito do Ibama para a retirada do método de marcação de ablação de artelhos de anfíbios e répteis”, com base numa interpretação de que esta seria “uma prática de mutilação e que haveria outros meios alternativos (de marcação), o que tornaria tal ação passível de ser caracterizada como crime e infração administrativa”.
Sapo da espécie Hypsiboas faber, conhecido como sapo-martelo ou sapo-ferreiro |
“Adicionalmente, o Ministério Público Federal solicita informações quanto ao uso deste método pela comunidade científica, viabilidade de uso de outros métodos e efeitos sobre o animal”, continuava a carta oficial, assinada por Rodrigo Jorge, coordenador de Autorização e Informação Científica em Biodiversidade do ICMBio, responsável pelo Sisbio, o sistema eletrônico pelo qual são analisadas e processadas as licenças para pesquisas de campo com plantas e animais da biodiversidade brasileira.
A resposta oficial veio na forma de um artigo publicado na edição de novembro da revista Herpetologia Brasileira, em que a SBH “recomenda enfaticamente a manutenção da técnica com um método possível de ser utilizado em estudos científicos”. (íntegra da carta) A sociedade ressalta que a ablação (corte) de artelhos (dedos) é uma técnica padrão da herpetologia, praticada há décadas no mundo todo, e que não há comprovação científica de que ela cause prejuízo aos animais individuais ou às suas populações. Pelo contrário, o método é considerado indispensável para a realização de levantamentos populacionais essenciais para a conservação das espécies estudadas.
Na prática, cortar a ponta de um dedo é a maneira que os herpetólogos têm de marcar um animal na natureza para saber se ele já foi catalogado e/ou estudado alguma vez anteriormente. Equivalente ao que se faz com anilhas em aves ou tartarugas marinhas, por exemplo – inviáveis para uso em animais menores, como pequenos lagartos e sapos. “Especialmente nos casos em que é preciso marcar um grande número de animais em pouco tempo, não há outro método que substitua a ablação com a mesma eficiência”, justifica Martins. A pela delicada dos anfíbios e também de alguns tipos de lagartos (como as lagartixas) praticamente impossibilita o uso de marcações com tintas ou implantes subcutâneos, como se faz em mamíferos, por exemplo, segundo os pesquisadores.
A carta enviada à Nature foi um esforço para dar ainda mais visibilidade ao assunto. “O Brasil abriga a maior diversidade de anfíbios do planeta, mas o conhecimento da dinâmica de suas populações é escasso e continuará assim sem o acesso a técnicas de marcação confiáveis. Nós reconhecemos que a ablação de artelhos não é a solução ideal, mas, quando aplicada adequadamente, ela tem efeitos mínimos sobre a sobrevivência e o comportamento dos anfíbios. Sem essa técnica, será mais difícil obter informações cruciais que podem evitar que as espécies de anfíbios se tornem extintas”, afirma a carta. O outros três signatários são Murilo Guimarães (Unicamp), Thiago Oliveira (Unesp) e Ricardo Sawaya (Unifesp).
O ICMBio parece convencido. “Já fechamos um entendimento técnico sobre a manutenção de ablação de artelhos como possível técnica de marcação para estudo científicos, contudo ainda aguardamos o retorno da análise jurídica para então fechar o posicionamento institucional”, disse ao Estado a coordenadora geral de Pesquisa e Monitoramento do ICMBio, Marília Marini.
Abaixo, a íntegra da carta publicada na Nature, traduzida do inglês para o português:
“Para manter um registro dos declínios globais dos anfíbios é necessária a identificação e marcação de indivíduos no campo, geralmente pela técnica de ablação de artelhos. Este tipo de trabalho está sob ameaça: o governo federal brasileiro e ONGs querem proibir a ablação de artelhos sem justificativa científica. A ablação de artelhos é uma técnica simples, barata e minimamente invasiva que tem sido usada por décadas em pesquisas herpetológicas. A agência federal que fiscaliza as políticas ambientais, o IBAMA, argumenta que a prática é uma forma de mutilação e deveria ser tratada como um crime com base nas leis federais (link para a Lei de Crimes Ambientais). A Sociedade Brasileira de Herpetologi protestou contra essa posição antropocêntrica (link para a revista Herpetologia Brasileira) argumentando que ela iria contra os esforços visando a compreensão dos declínios dos anfíbios. O Brasil abriga a maior diversidade de anfíbios do planeta, mas o conhecimento da dinâmica de suas populações é escasso e continuará assim sem o acesso a técnicas de marcação confiáveis. Nós reconhecemos que a ablação de artelhos não é a solução ideal, mas, quando aplicada adequadamente, ela tem efeitos mínimos sobre a sobrevivência e o comportamento dos anfíbios. Sem essa técnica, será mais difícil obter informações cruciais que podem evitar que as espécies de anfíbios se tornem extintas.”
O corte na ponta do dedo do pé (artelho) indica que o animal já foi catalogado no passado |
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/herton-escobar/herpetologos-defendem-na-nature-tecnica-de-cortar-pontas-dos-dedos-de-anfibios-e-repteis/
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