terça-feira, 7 de maio de 2019

Dinossauros da América do Sul: o gigante com crista de espinhos descoberto na Argentina

 Alejandra Martins

Da BBC News Mundo

Os espinhos de Bajadasaurus pronuspinax poderiam medir até 1,20 metros (Imagem: Jorge A. Gonzalez)

Ele media nove metros de comprimento e vivia no que hoje é a Patagônia argentina, há 140 milhões de anos.

Mas sua característica mais extraordinária era a crista cheia de espinhos enormes que se estendia do pescoço até o dorso.

A nova espécie de dinossauro foi encontrada na província de Neuquén, no norte da Patagônia, e foi chamada de Bajadasaurus pronuspinax.

O termo faz alusão à formação geológica em que foi encontrada, a Bajada Colorada, e aos longos espinhos inclinados para a frente que o caracterizam.

"Os espinhos neurais - como são chamados - são projeções de ossos que saem da parte superior das vértebras do pescoço", explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o paleontólogo Pablo Gallina, pesquisador da Fundação Felix de Azara da Universidade Maimonides em Buenos Aires e do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina, o Conicet.

"Eles são espinhos muito alongados e, particularmente na Bajadasaurus, chegaram a um metro ou 1,20 m", acrescentou Gallina, principal autor do estudo publicado na revista Scientific Reports.

Que características esses espinhos tinham e que função cumpriam?

'Como chifres de antílope'

Os fósseis de Bajadasaurus foram encontrados em 2013 por pesquisadores da Fundação Félix de Azara e do Museu Paleontológico Ernesto Bachmann, em Villa El Chocón, em Neuquén.


Os espinhos ajudavam a assustar ou a afugentar os predadores, segundo Pablo Gallina
(Imagem por: Pablo Gallina)

Os Bajadasaurus pertenciam ao grupo dos dinossauros saurópodes, que eram herbívoros, quadrúpedes e caracterizados como de grande porte e com pescoço e cauda compridos.

Dentro desse grupo, eles estavam na família dos chamados dicreosáuridos, que se diferenciavam por seus grandes espinhos.

No caso dos Bajadasaurus, os espinhos estavam cobertos por um material que os reforçava.

"Nós entendemos que se tivessem sido formados somente por ossos e talvez em vida revestidos apenas por pele, seriam estruturas muito frágeis e poderiam ser quebradas muito facilmente com alguma pancada ou se o dinossauro fosse atacado por um predador", disse Gallina.

"Eles precisavam de uma estrutura externa que nós comparamos com o que acontece, por exemplo, com os chifres dos antílopes ou das cabras atuais, onde há uma caixa externa a esse osso formada por queratina."

O enigma dos espinhos

O parente mais próximo do Bajadosaurus é outro dinossauro encontrado em Neuquén, o Amargasaurus, que também tinha grandes espinhos e viveu na área entre 15 milhões e 20 milhões de anos depois.

Os espinhos eram projeções ósseas que saíam das vértebras do pescoço e das costas (Imagem por: Pablo Gallina)

"Nos anos 80, quando o Amargasaurus apareceu, diferentes hipóteses começaram a ser especuladas porque esses espinhos chamavam bastante a atenção."

Sugeriu-se, por exemplo, que os espinhos fossem suportes de "uma espécie de membrana, que regularia a temperatura do corpo, algo que acontece em alguns répteis de hoje."

Outros pesquisadores consideravam a possibilidade de terem sido simplesmente uma crista de exibição com função de atração sexual ou que fossem estruturas capazes de sustentar uma corcunda de carne para armazenar reservas.

Defesa passiva

Gallina e seus colegas levantam outra hipótese: a função dos espinhos era a defesa.

"A explicação que entendemos ser a mais provável é que eram espinhos que sobressaíam do corpo e tinham uma cobertura semelhante a um chifre. A presença dessa cobertura em cabras e antílopes deixa estrias nos ossos, marcas grandes que no Amargasaurus são bem visíveis."

Os restos do dinossauro foram encontrados em Bajada Colorada, uma formação geológica de rochas de 140 milhões de anos (Imagem por: Pablo Gallina)

O mais lógico, segundo o pesquisador, é que a espetacular exibição de espinhos desses dinossauros servisse como uma espécie de "alerta" para afugentar predadores, numa estratégia que ele descreve como "defesa passiva".

"Estes dinossauros passavam praticamente o dia inteiro comendo a vegetação. Tinham de estar permamentemente se alimentando. Eles ficavam com a cabeça abaixada, com o pescoço curvado para frente, deixando os espinhos expostos como se fossem um leque. Eram mais de 20 espinhos apontados para a frente, como um sinal de alerta."

O 'Amargasaurus', também encontrado em Neuquén, só que na década de 1980, é o parente mais próximo de 'Bajadasaurus' (Imagem: Getty Images AVS Turner)

Tanto para o Amargosaurus quanto para o Bajadasaurus, "definitivamente foi positivo ter esses espinhos que à primeira vista parecem ter sido muito incômodos para o animal."

Os fósseis e o nascimento dos Andes

Gallina e os colegas conseguiram recuperar 80% do crânio, o mais bem preservado do mundo para um dinossauro dicreosáurido.

Eles também extraíram das rochas as primeiras vértebras do pescoço e uma das partes do meio, além de dentes e mandíbulas.

A mandíbula com os dentes. O estudo dos dentes permitiu identificar que o dinossauro passava a maior parte do tempo se alimentando de plantas (Imagem por: Pablo Gallina)

Os restos mortais do dinossauro foram encontrados em 2013. A imagem mostra alguns dos dentes dele na rocha (Imagem por: Pablo Gallina)

"Os momentos de descoberta são de muita emoção. Ao encontrar algo de milhões de anos atrás, você faz uma viagem no tempo", disse Gallina.

Mais de 100 espécies de dinossauros foram encontradas na Argentina.

A que se deve essa enorme riqueza em fósseis?

"O que acontece é que praticamente em toda a Patagônia as rochas que estão no solo são de tempos em que existiam os dinossauros", explicou Gallina.

"Grande parte do Mesozóico, desde o Triássico ao Cretáceo, isto é, de 220 milhões de anos atrás a 65 milhões de anos atrás, está exposto nas rochas na superfície e isso é o resultado da elevação dos Andes."

Os pesquisadores conseguiram recuperar 80% do crânio, o mais bem preservado do mundo para um dinossauro dicreosáurido (Imagem por: Pablo Gallina)

O paleontólogo explicou que quando os Andes começaram a aparecer devido ao choque de placas tectônicas, há cerca de 70 milhões de anos, a cordilheira se arrastou e expôs, ao se elevar, todo o território que estava nas profundezas.

"É como se fosse um bolo com camadas em que todas as camadas profundas aparecem e são expostas se você levanta um lado dele", disse o paleontólogo.

"Então, o vento e a erosão foram desgastando essa superfície. Hoje, ao andar pelas ruas de Neuquén, caminhamos sobre o Cretáceo", acrescentou.

Outra razão da riqueza de fósseis é que, devido ao clima da Patagônia, a área é predominantemente deserta, com pouca vegetação, deixando a rocha exposta.

"Se fosse uma superfície como a Amazônia, seria muito difícil encontrar fósseis porque há muita vegetação."

'Não há nada parecido'

Apesar do grande número de descobertas, o Bajadosaurus é particularmente importante, de acordo com Gallina.

"O Bajadasaurus foi encontrado em um local onde estamos trabalhando há alguns anos e que é um dos poucos de 140 milhões de anos que nos mostra algo dos dinossauros dessa época."

"Dos grandes titanossauros gigantes, os grandes carnívoros, há muitos registros."

'É um animal completamente desconhecido, que tinha características únicas e que nós tentamos interpretar, entender', diz pesquisador (Imagem por: Pablo Gallina)

Mas os dinossauros do Cretáceo Inferior, uma janela entre 145 milhões e 120 milhões de anos, são praticamente desconhecidos, disse o pesquisador.

"Estamos justamente aqui, trabalhando com rochas de 140 milhões de anos e tudo o que estamos reconhecendo são novas formas. Isso nos permite estudar a evolução dos dinossauros e como esses grupos se relacionam com os antigos dinossauros do Jurássico."

O que Gallina diria a um grupo de crianças ou adolescentes que vê pela primeira vez os restos de Bajadasaurus?

"A primeira coisa que eu diria é que abram sua imaginação. Ele é um animal completamente desconhecido, que tinha características únicas e nós tentamos interpretá-lo, fazendo estudos rigorosos e comparações com animais modernos como antílopes ou cabras."

"Isso nos ajuda a entender esses animais. Não há nada, nada hoje em dia, com que eles se pareçam."

Fonte: BBC News